Cantareira: Ainda no volume morto.
Boa notícia não se desmente. Talvez seja por isso que nem a Sabesp nem a Agência Nacional de Águas (ANA) nem o governo do Estado de São Paulo desmentiram a notícia, divulgada na primeira página de todos os jornais, de que o Cantareira havia saído do volume morto. O Cantareira está claramente se recuperando, e tudo indica que no início de 2016 ele sairá do volume morto, mas por enquanto isso não aconteceu. Apesar da transparência na divulgação dos dados ter melhorado durante a crise, eles ainda induzem os pouco avisados ao erro. É pena. A Sabesp e a ANA divulgam os dados corretos, mas é preciso cavoucar para encontrá-los.
Esta é a situação do Cantareira no dia 31 de dezembro de 2015, descrita nos boletins diários da Sabesp e da ANA, e no documento da ANA que descreve o Sistema Cantareira (listados abaixo).
O Sistema Cantareira tem três reservatórios. O maior deles é o de Jaguari/Jacareí. Quando completamente cheio, ele armazena 1.047 hm3 (1 hm3 = 1 bilhão de litros). Ele é ligado por um túnel ao Reservatório de Cachoeira, capaz de armazenar 117 hm3. Esse segundo reservatório é ligado por outro túnel a um terceiro, o de Atibainha, que pode armazenar 295 hm3. Como é fácil calcular, 72% da capacidade do Sistema Cantareira está concentrada no reservatório de Jaguari/Jacareí. Pois bem, é exatamente esse enorme reservatório que ainda está no volume morto.
O volume morto de um reservatório é definido como o volume de água do reservatório que não pode ser retirado por gravidade. Para usá-lo é necessário o uso de bombas. As bombas são necessárias pois a boca do túnel não está no fundo do reservatório e, portanto, não pode retirar toda a água. As bombas são necessárias para retirar a água do fundo e jogá-la na boca do túnel. Foi isso que a Sabesp fez desde o início da crise. É fácil determinar se um reservatório está ou não no volume morto. Basta comparar a altura da água no reservatório com a altura do túnel. Se a água estiver abaixo, está no morto, se estiver acima, está no volume útil.
Segundo a ANA, o túnel que leva a água do Jaguari/Jacareí para o Reservatório de Cachoeira só se torna funcional se o nível da água na represa estiver a 820,80 metros de altura ou mais. No dia 31/12/2015, tanto a Sabesp quanto a ANA informam que o nível da Represa de Jaguari/Jacareí estava a 817,56 metros, mais de três metros abaixo do mínimo necessário para operar o túnel eficientemente, e meio metro abaixo do piso do túnel. Sem dúvida nenhuma, no dia 31/12/2015, pelo dados fornecidos pelos responsáveis, esse reservatório estava ainda no volume morto. Nesse dia, ele armazenava 176,98 hm3. Quando estiver no nível 820,80 metros, ele vai conter 239,45 hm3, ou seja, faltam 62,47 hm3 para ele deixar o volume morto.
Mas, então, de onde veio a confusão? Veio da seguinte conta feita pela Sabesp. No dia 31/12/2015, o total de água disponível para ser retirada por gravidade dos outros dois reservatórios (Cachoeira e Atibainha) somava 62,34 hm3. E esse número é menor, mas muito próximo do volume que está faltando para o Reservatório Jaguari/Jacareí sair do volume morto. Se você imaginar que toda essa água estivesse no Jaguari/Jacareí, ele quase teria saído do volume morto. Mas o fato é que a água não está lá. Se nas próximas semanas a Sabesp precisar retirar água do maior reservatório do Sistema Cantareira ela vai ter de continuar a usar bombas. E, portanto, ele ainda está no volume morto. É um fato.
http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,cantareira-ainda-no-volume-morto,1817177