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Brasil Abaixo de Zero

A ocorrência de neve em 22 e 23/09 de 2022 - análise e registros


Caio César
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Olá a todos!

 
Tendo vivenciado e acompanhado in-loco o fantástico evento da neve que acumulou nos pontos mais elevados da Serra Geral em Santa Catarina entre 22 e 23 de setembro, gostaria de relatar e deixar registrado aqui algumas discussões, análise de dados e rodagens dos modelos no decorrer do desenvolvimento deste sistema, que foram contando a história e materializando uma das mais significativas ocorrências recentes de neve tardia no Brasil.
 
Apesar do fórum BAZ dispor de farto material e acompanhamento desse evento, e como sempre fiz em eventos do passado, deixo compartilhado aqui a minha experiência, análises e registros, derivada de mensagens trocadas com alguns usuários que participam do grupo de WhatsApp do BAZ, além do meu testemunho in-loco através de vídeos e imagens.
 
No dia 16/09 eu chamava atenção no grupo de WhatsApp para alguns sinais que o modelo GFS começava a mostrar, especialmente na rodada das 18Z deste dia que apontava o ingresso de um sistema de alta pressão continental impulsionado por uma área de baixa pressão frente a costa.
 
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O Modelo Europeu também indicava a entrada de uma massa de ar frio continental, embora com desenho sinótico ainda distante do cenário ligeiramente mais favorável ao ingresso de ar frio como projetado pelo GFS.
 
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No dia 17/09 o GFS 12Z havia aumentado bastante o frio, começando a apontar uma remota chance de neve nos pontos mais altos da Serra Geral, muito por conta de uma camada de frio bem homogêneo até o nível de 800mb conseguir alcançar a região de São Joaquim e adjacências, apresentando em sincronia alguma precipitação segundo as projeções.
 
 
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Para o nível de 700mb o modelo indicava valores característicos a incursões classificadas de moderada a forte intensidade no sul do Brasil.
 
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Neste mesmo dia o Europeu 12Z também veio bem mais forte, mostrando um sistema mais organizado do que no dia anterior, quando chamei a atenção no grupo de que estava com cara de que o ECMWF iria seguir o GFS no desenho sinótico.
 
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Para o nível de 700mb o Europeu também seguiu o padrão inicial estabelecido pelo GFS.
 
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As rodadas da madrugada do dia 18/09 tornaram a confirmar o avanço do ar mais frio com características invernais, com indicativos de que seria tiro curto, mas possibilitaria uma rápida janela que poderia reunir as condições para a ocorrência de alguma precipitação invernal.
 
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A rodada da 00Z do dia 19/09 continuava incrementando ligeramente o potencial do ar frio em altura, fortalecendo a possibilidade de um evento interessante ocorrendo no final da quinta-feira.
 
Já a rodada das 12Z neste mesmo dia mereceria a minha seguinte observação no grupo: 
 
"Rodada do Europeu 12Z é a mais forte qua a do GFS e coloca possibilidade de neve entre o final da tarde de quinta-feira ao início da madrugada de sexta nos pontos mais elevados da serra geral".
 
Essa leitura indicava que a linha de 0oC em 800mb estava ganhando força, além de um maior resfriamento nas camadas superiores e com aumento da precipitação. Mostrava-se um desenho sinótico bastante característico dos eventos de neve no Sul do Brasil, cenário que era seguido de perto pelo CMC nesta rodada.
 
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Para o nível de 850mb o modelo Europeu também já projetava uma pequena área de 0oC acompanhando o cavado que passaria sobre a serra com instabilidades e ar mais frio no seu deslocamento.
 
 
 
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De modo contraditório aos primeiros indicativos, os principais modelos pareciam andar em direções opostas ao que indicavam nos primeiros sinais deste sistema. O GFS que havia sido o primeiro a apontar o cenário favorável para a ocorrência de neve começava a indicar uma ligeira redução no potencial de frio, especialmente nas camadas acima de 750mb, sugerindo aquecimento em 700mb a partir do meio da madrugada entrando em boa parte de SC. Cenário que dificultaria a chance de um evento mais significativo ou mesmo a sua ocorrência.
 
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Na rodada do dia seguinte o GFS aumentava ligeiramente a perspectiva de inversão entrando no meio da madrugada, projetando um cenário divergente do Europeu e de outros modelos há menos de 48h do início do evento.
Situação que aquele momento colocava uma certa dose de incerteza, posto que o GFS havia sido um dos primeiros modelos a divergir dos cenários de neve fracassados que o modelo Europeu insistiu no mês de agosto.
 
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No dia 20 chegamos a viver dois momentos distintos com as rodadas do modelo Europeu. O primeiro na leitura da rodada das 00Z que eu resumia: 
 
"Europeu deu uma ligeira reduzida no avanço do ar frio, diminuindo o avanço da isoterma em 800 e a duração da isoterma em 700. Segue o baile."
 
Mas em um segundo momento, me referindo a nova rodada daquele dia, nas 12Z, uma súbita reviravolta me fez apontar: 
 
"Rodada das 12Z do Europeu é a mais forte até o momento para a próxima MP, mantém e aumenta ligeiramente a possibilidade de neve nos pontos mais elevados da serra geral no RS e SC entre o início da noite de quinta e a madrugada de sexta".
 
Ou seja, o modelo Europeu apresentava variações bastante significativas em um período de 12 horas entre as suas principais rodadas no dia 20/09, mas seguia firme como o modelo mais forte para o evento que se aproximava, chegando até a colocar um pequeno pontinho ("pixel") de neve no seu campo para o fenômeno. 
Embora o que se podia sugerir pela observação de outros indicadores fosse algo bem mais expressivo do que o mapa de neve acumulada sugeriria.
 
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Outra análise importante que eu vislumbrava em relação essa rodada 12Z do ECMWF no dia 20 foi a seguinte:
 
"Está sozinho nessa e com cara de que vai lacrar". Indicando que o Europeu era o modelo mais consistente para a possibilidade de neve naquele momento.
 
Já sobre o GFS fiz a seguinte referência:
 
"Tá faltando o GFS entrar na dança. Tá mais fraco. Aguardamos aquela intensificação encima do laço".
 
Outro aspecto a ser destacado é que em que pese o mapa de neve mostrar apenas um pixel, sendo menor em área e intensidade do que em algumas projeções furadas do mesmo modelo para eventos insignificantes ou que nem chegaram a ocorrer em agosto, as condições atmosféricas que o modelo projetava nos mapas, tais como a temperatura, ponto de congelamento, umidade e precipitação, além do desenho sinótico, eram infinitamente superiores aos mapas frustrados que o modelo insistiu em projetar no mês anterior.
 
Relembrando o episódio didático:
 
Campo de neve indicando boa área na serra geral, e que levou uma série de institutos divulgarem previsão de neve na grande mídia e em seus respectivos portais e redes.
 
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Temperatura sequer chegava a 0oC em 700mb
 
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Quando menos em 800mb

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Ainda assim os principais meios de comunicação comunicaram por dias consecutivos a previsão de alguns institutos ao público com grande sensacionalismo, causando o tradicional alvoroço e animação em aficcionados e turistas, que se deslocaram até as regiões serranas e se viram frustrados com a falta de ocorrência do fenômeno.
 
Voltando:
 
 
O dia 21/09 amanhecia com a rodada do modelo Europeu fortalecendo e ampliando a janela de probabilidade de ocorrência do fenômeno, além de uma significativa melhora na precipitação. Situação que fez o modelo ampliar ligeiramente a área do pixel de neve.
 

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Nessa rodada o modelo também havia aumentado o congelamento da atmosfera, que se manteria de forma bastante homogênea praticamente desde os 850/800mb até as camadas superiores. Situação que me faria destacar:
 
"E nenhum instituto ou meteorologista citando essa possibilidade que já é maior do que qualquer evento de agosto".
 
Indagado pelo colega Mário se o GFS havia melhorado também, o diagnóstico foi o seguinte:
 
"Tá estranho, melhorou entre 800-750, continua o pior em 700, mais fraco e esfacelando muito cedo a isoterma nesse nível. Indicando inversão a partir da 00h-03h. Europeu está muito estável, e coloca precipitação durante toda a madrugada".
 
De fato o modelo Europeu estava bastante consistente quanto a precipitação gerada pela circulação e proximidade da baixa pressão na costa, no que me fez destacar:
 
"Desenho clássico de cavado provocando neve sob influência do ciclone".
 
Dentro dessa perspectiva o modelo mostrava o nível do ponto de congelamento sobre as serras do RS e SC atingindo os 1.500m. O que geralmente é a altitude necessária do ponto de congelamento para precipitações invernais nos pontos mais elevados do RS e SC.

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O modelo também sugeria que durante o período do ponto de congelamento descendo aos 1.500m de altitude, instabilidades estariam presentes provocando precipitações sobre a região.

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Situação que era acompanhada pelo CMC naquela mesma rodada:
 

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Ainda no dia 21 a rodada das 12Z já trazia algumas novidades. ICON vindo com ciclone bem mais colado na costa do que a 00Z, mostrando um desenho sinótico característico aos sistemas que provocam neve no Sul do Brasil.
 
O Europeu 06Z aparecia aumentando a isoterma em 850 na madrugada de sexta. Já o GFS 12Z também ia aproximando o ciclone da costa, como no Icon.
 

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Neste mesmo momento observava no WhatsApp BAZ:
 
"Pela fotografia do momento não se pode descartar algum acúmulo eventual".
Afirmação que geralmente prefiro de usar quando do indicativo de eventos mais expressivos.
 
Outro ponto observado também foi:
"ICON e GFS 12Z também incrementam o frio em altura, SEGUINDO O EUROKING".
Fazendo naquele momento um trocadilho a exaltação bem humorada do modelo que estava bastante estável e sendo seguido nos detalhes pelos demais.
 
Ainda assim o GFS insistia em uma inversão que poderia estragar o excelente cenário que se desenhava:
"GFS melhorou em 850-800mb, mas coloca inversão em 700".
 
Isso porquê o GFS projetava a chegada de inversão no começo da madrugada de sexta, impondo alguma divergência e incerteza nos detalhes que contam (e muito) quando estamos diante de um cenário limítrofe para a neve.
 
"Até o meio da madrugada a atmosfera consegue conservar um bom congelamento pelo Euro até a região de São Joaquim, mas tem um pouco de inversão chegando pelo norte."
 
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"Hora que o GFS já mostra um baita aquecimento em 700hpa."

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Entretanto as demais rodadas e a convergência dos outros modelos mantinham a confiança em alta: 
 
"Mas acredito que a chance é boa. Principalmente entre 21h e 03h. São 6 horas de janela para a possibilidade de precipitações invernais".
 
E logo o dia D (22/09) chegava com boas novidades no GFS, com a 00Z no início da madrugada mostrando melhorias consideráveis:
 
"GFS 00Z aproximou MUITO a baixa pressão da costa em relação as suas rodadas anteriores
Intensificou o frio de 850mb a 800mb
Mas ainda é fraco de 750 a 700mb
Melhorou a circulação de umidade sobre a serra"
 
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Observem que apesar de ter aproximado a baixa pressão da costa, o GFS seguia sem indicar precipitação no continente:
 
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Já o Europeu apresentava melhorias significativas e seguia firme no cenário de umidade e precipitação na noite e madrugada entre quinta e sexta-feira:
 
"Europeu também aproximou ligeiramente. Cenário bastante estável no Euro, atrasando ligeiramente a entrada da isoterma em 800mb"
 
"Europeu também melhorando desde ontem a umidade sobre a serra".
 
"Cenário Formado, janela propícia a ocorrência da neve começa a partir das 21h"
 
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A 06Z do GFS viria com algumas indicações de frio incrementando em 800mb, porém mais seca. Já a 12Z daquele mesmo dia aguardava boas novidades:
 
"CMC 12Z é neve"
 
"GFS 12Z aumentou o frio. Melhorou em 700mb. -3 em 800mb!"

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Observem a potência da adveccão em 700mb, com os principais modelos projetando valores de -4 a -5 sobre a serra catarinense e até -10 sobre o RS. O que para fins de setembro são valores muito baixos e suficientes para a formação dos flocos de neve em caso de condições ideais de umidade e instabilidades presentes.
 
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Aquele dia seria o grande dia, assim todas as rodadas eram acompanhadas de perto, o que não foi diferente com a 06Z. Um cenário de incremento na umidade e frio homogêneo mais duradouro foi observado na saída do modelo Europeu, mantendo a sua estabilidade para um cenário favorável a ocorrência de neve:

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Com a melhoria gradual observada em todos os modelos, a rodada das 12Z viria a confirmar os indicativos com os modelos encontrando convergência para um cenário favorável a ocorrência de neve, o que foi sugerido inclusive no mapa do modelo CMC.
 
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O próprio GFS que até rodadas atrás insistia em projetar pouca ou nenhuma precipitação na madrugada de sexta sobre a serra, passou a indicar encima do lance.
 
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Cenário que já era antecipado por outros modelos, inclusive o CMC que vinha confirmando as rodadas anteriores com mais incremento em área e volume de precipitações sob o momento do pico de advecção de ar frio.
 
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O modelo europeu também vinha com muita estabilidade confirmando a projeção de precipitações no momento de maior intensidade do frio sobre a serra, 
 
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Apesar dos indicativos favoráveis, o próprio modelo europeu seguia sem mostrar neve nos mapas de projeção. Exemplificando de forma didática que esta não deve ser a melhor opção na hora de formular a previsão para um fenômeno tão específico, especialmente no Brasil. O que requer a análise e consideração de outras variáveis além do mapa específico que o modelo gera para o fenômeno.
 
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O GFS era outro modelo que não apresentava neve nos seus campos, além de até o momento ser o que estava apresentando maior instabilidade e inconsistência nas suas variáveis para que se pudesse sugerir a probabilidade de ocorrência de neve naquele episódio.

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O único modelo que naquela rodada decisiva sugeriu neve na imagem gerada para o fenômeno em seus campos, ainda que de forma pouco expressiva, foi o CMC:

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Com esse cenário formado na rodada das 12Z do dia 22/09/2022 decidi iniciar a minha caçada para observação do possível fenômeno muito raro para a época do ano que poderia ocorrer nos pontos mais altos da serra catarinense.
 
A partir do entardecer do dia 22 as temperaturas começaram a cair na serra catarinense sob condições de uma chuva fraca ou garoa, mas ainda se situavam em patamares elevados para qualquer ocorrência do fenômeno.
Com as estações selecionadas abaixo é possível verificar o perfil da atmosfera em praticamente todos os níveis de altitude na região, desde os 1.200m na Terra do Gelo até os 1.800m no Morro da Igreja.
 
18h
 
5,0oC Morro da Igreja
7,3oC Cruzeiro - Montes da Serra Lodge
8,8oC Cruzeiro - Keiser
8,8oC São Joaquim - Inmet
9,9oC São Joaquim - Centro
10,9oC Bom Jardim da Serra - Terra do Gelo
 
A partir das 21h é que foi possível observar a entrada mais forte da advecção de ar frio, que era impulsionado pelo ciclone extratropical na costa do RS, seguindo o que os modelos apresentavam. O pulso seria muito rápido, mas propiciaria uma atmosfera bastante homogênea para a ocorrência de neve na serra catarinense durando a maior parte da madrugada.
 
 
21h
 
1,6oC Morro da Igreja
3,4oC Cruzeiro - Montes da Serra
5,1oC Cruzeiro- Keiser
4,9oC São Joaquim - Inmet
5,8oC São Joaquim - Centro
6,7oC Bom Jardim da Serra - Terra do Gelo
 
Em comparação com os registros das 21h, a rodada do GFS 00Z do dia 23/09/2022 com dados de entrada mais próximos do momento da ocorrência da nevada, projetava condições de uma atmosfera especialmente limítrofe para a ocorrência de neve,  com chances muito pequenas para as áreas de menor altitude da serra. Mostrando que a isoterma de 0C em 850mb alcançaria apenas brevemente a região de São Joaquim entre o meio e o fim da madrugada. Fato que pode ser observado pelos registros das estações de Bom Jardim da Serra, centro de São Joaquim e outras. Até mesmo a estação Cruzeiro-Keiser, localizada a 1475m, não chegou a registrar temperatura negativa entre a madrugada e amanhecer, ficando com uma mínima de 0,2oC as 06h34.
 
 
FIELD  TEMPERATURE    TEMPERATURE    TEMPERATURE    TEMPERATURE    TEMPERATURE    PRECIPITATION 
LEVEL    850 MB         800 MB         750 MB         700 MB         650 MB                
UNITS      DEGC           DEGC           DEGC           DEGC           DEGC           MM   
 HR
+  0.      2.9           -0.3           -1.8           -3.2           -6.1           0.99
+  3.      1.1           -2.0           -2.0           -3.4           -4.4           0.00
+  6.      0.4           -2.6           -1.3           -3.6           -5.0           0.00
+  9.     -0.4           -1.8           -0.9           -2.6           -3.2           0.00
+ 12.      1.0           -1.1            0.2           -1.4           -1.4           0.00
+ 15.      4.9            0.5           -0.4            0.6            0.4           0.00
+ 18.      6.7            1.9           -1.4            2.3            1.2           0.00
+ 21.      5.6            1.3           -0.8            3.6            1.6           0.00
+ 24.      3.9            1.5            3.4            4.9            1.5           0.00
 
Observem que de acordo com a rodada mais próxima do evento, a partir das 21h a atmosfera começava a ficar propícia para a queda de neve nos pontos mais altos da serra, com a isoterma de 0C em 800mb alcançando a região a partir deste horário, trazendo frio suficiente e homogêneo nas camadas mais altas, com patamares favoráveis para a formação dos flocos de neve.
Entretanto, apesar de bastante significativo para fins de setembro, não pode-se dizer que se tratava de uma massa de ar frio muito potente, pois os valores não foram tão baixos quanto aos registrados em muitas outras ocorrências de neve.
 
Vale destacar que a projeção do GFS 00Z encima da hora seguiu os demais modelos, especialmente o Europeu, que indicava a isoterma em 700mb se estendendo por um período mais longo do que o modelo americano apresentava anteriormente. O GFS vinha indicando inversão entrando a partir das 03h00 na região nas rodadas anteriores, sendo também o mais fraco e limítrofe nessa camada no intervalo mais propício para a ocorrência de neve em relação aos demais.
 
O GFS seguia insistindo em não projetar precipitação para o decorrer da madrugada em sua rodada numérica com as coordenadas de São Joaquim. Nesse quesito o modelo acertava a precipitação que ocorria em São Joaquim até as 21h00 daquela noite, mas errava o que se seguia a partir deste horário, com chuviscos na cidade e a neve iniciando nos pontos mais altos por volta das 22h30.
 
 
00h
 
-0,7oC Morro da Igreja
0,3oC Cruzeiro - Montes da Serra
2,3oC Cruzeiro- Keiser
2,0oC São Joaquim - Inmet
2,9oC São Joaquim - Centro
4,1oC Bom Jardim da Serra - Terra do Gelo
 
Saindo de São Joaquim por volta das 22h20 em busca dos locais de maior altitude do município, registrava chuva com frio ainda insuficiente de 3,4oC numa estação localizada no centro de São Joaquim (Santa Cruz). Havia bastante umidade e a temperatura que teimava em não cair no final de tarde, finalmente tinha desabado com a chegada da advecção mais potente no final da noite.
Chegando as 22h40 próximo ao topo da região do Cruzeiro, +- 1585m de altitude, a temperatura da estação próxima (Montes da Serra Lodge) era de apenas 0,6oC e finalmente a chuva fraca que me acompanhou por todo o trajeto, desde o centro do município até o distrito do Cruzeiro, ali já se dava na forma de uma neve bem fininha e fraca que ia e voltava.
 
 
 
 
 
 
03h
 
-1,8oC Morro da Igreja
-0,9oC Cruzeiro - Montes da Serra
0,9oC Cruzeiro- Keiser
0,6oC São Joaquim - Inmet
1,5oC São Joaquim - Centro
2,7oC Bom Jardim da Serra - Terra do Gelo
 
Acompanhei por cerca de 1h30 algumas quedas de neve e garoa de neve fraca intercalada, em forma de pancadas, ainda sem formar flocos grandes na forma de capuchos.
As imagens de radar que os colegas do grupo postavam mostravam boa carga de umidade sendo transportada para a serra com a circulação da baixa pressão na costa.
O modelo Europeu havia acertado magistralmente a permanência da umidade e as instabilidades advindas daquele sistema. A temperatura caia vagarosamente na região entre 1.500m e 1.600m, mas a atmosfera seguia seu congelamento nas camadas mais altas. O Morro da Igreja já alcançava uma temperatura negativa correspondente com o projetado na rodada das 00Z do GFS, por correspondência era sabido que acima daquele nível a temperatura seria ainda mais fria e favorável. O cenário de limítrofe do final da noite estava se transformando em uma janela promissora pelo decorrer da madrugada.
 
 
23h14 - Imagem de Satélite
 

VwJTNec.jpg
 
 
23h49 = Radar
 

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FKo81tF.jpg
 
 
23h54
 
8BHraHk.jpg
 
 
 
00h46

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Logo na minha descida em direção ao centro de São Joaquim para um breve descanso, algumas pancadas de flocos grandes começaram a cair na região entre os 1.500m e 1.450m. A linha de neve era muito definida e ia até a essa altitude, descendo um pouco mais em direção a cidade (+- 1.350m) já passado da meia noite, a chuva voltava e a temperatura encostava em 1oC. Pela webcam instalada no alto do Cruzeiro era possível verificar que a precipitação era intensa naquele momento nas regiões mais elevadas. O amanhecer prometia bons registros.
 
 
06h
 
-1,8oC Morro da Igreja
-1,1oC Cruzeiro - Montes da Serra
0,4oC Cruzeiro- Keiser
0,9oC São Joaquim - Inmet
1,4oC São Joaquim - Centro
2,6oC Bom Jardim da Serra - Terra do Gelo
 
 
A pausa para um breve descanso logo foi interrompida nas primeiras horas da manhã com a verificação da webcam particular que mostraria o resultado daquela madrugada. Quando os primeiros raios de luz no início do dia transformaram a visualização de nightview para a claridade o resultado foi muito melhor do que o esperado.
Uma fina camada pincelava a paisagem captada pela a webcam. A neve enfim havia caído com mais força durante a madrugada e cobria o alto da serra com um manto branco naquele amanhecer histórico. Diferentemente do ocorrido em outras oportunidades, os modelos haviam acertado a maioria dos parâmetros, mas falharam em não colocar o fenômeno em seus campos de previsão.
 

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Reiniciei a incursão em direção a região mais elevada de São Joaquim. No centro da cidade ainda chuviscava fraquinho sob aberturas no amanhecer, o que mostrava que cenários limítrofes como esse são muito dependentes da altimetria. A neve acumulada só começou a aparecer na copa das árvores por volta dos 1.500m de altitude junto a rodovia. Abaixo desse patamar ela não havia acumulado ou caído com a mesma intensidade por conta da temperatura positiva, como se observou durante toda a madrugada nas estações do centro do município ou mesmo no topo da área urbana representada pelo Inmet São Joaquim.
 
Chegando na região do Cruzeiro, por volta dos 1.500m finalmente a neve começou a aparecer na copa das árvores e arbustos, e o visual das áreas mais elevadas a partir daquele ponto dava mostras como a neve neste episódio estava vinculada a cada palmo de altitude.
 
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Subindo um pouco mais adentrando em uma propriedade da família que fica nesta região, foi notável como a partir dos 1.550m/1.570m a paisagem já mudava bastante. Saindo de uma fraca acumulação nos arbustos para um generoso acúmulo em toda a paisagem.
 
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Uma boa quantidade de neve junto a vegetação por volta dos 1.590m de altitude

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Estação VUE que estava instalada no local aonde permanece a Vantage Pro 2 - Montes da Serra Lodge.
 
 
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Por um lapso e na empolgação só fui fazer a medição com régua nos locais sombreados por volta das 9h00. Assim, foi medido entre 2,5cm e 4cm nos locais aonde a neve resistia ao sol. Acredito que bem cedo, logo assim que a precipitação cessou, poderia chegar quase aos 5cm em alguns locais de maior acúmulo.
 
 
oIQ7bok.jpg
 
 
R9FxAIG.jpg
 
 
Analisando as imagens de satélite observa-se a área de instabilidade que alcançou a região durante a noite e madrugada esteve associada a circulação da baixa pressão na costa, com um vórtice ciclônico aparecendo próximo a costa do RS. É uma situação bastante similar a observada em situações sinóticas correlatas quando da presença de um sistema de baixa pressão costuma conduzir a passagem de cavados sobre as áreas serranas do RS e SC.
 
5h50 UTC
tV8Ec54.gif
 
6h20 UTC
eteBKc3.gif
 
7h30 UTC
tFTZDBd.gif
 
8h20 UTC
NFOyKRG.gif
 
9h00 UTC
S4RRdJN.gif
 
9h30 UTC
s7M8hBK.gif
 
10h00 UTC
kItAtev.gif
 
 
Como se observa, o momento de maior influência do sistema se deu durante a madrugada, convergindo com o período de maior advecção do ar frio. Nesse quesito cabe destacar que o modelo Europeu saiu-se melhor no detalhamento e estabilidade.
O GFS foi um dos primeiros a indicar a possibilidade do fenômeno, mas pecou muito com a instabilidade das rodadas no transcorrer dos dias, com indicativos de inversão das camadas em rodadas muito próximas ao evento, além de apontar pouca ou nenhuma precipitação na madrugada, mesmo na sua rodada mais próxima a ocorrência de neve, quando ainda chovia em áreas serranas do RS e SC.
 
De maneira geral foi um episódio bastante relevante do ponto de vista climatológico dada a época e a intensidade observada. Provou-se mais uma vez que os mapas de campo de neve nos modelos podem levar a erros consideráveis, haja vista as diferenças apresentadas entre os episódios frustrados de agosto e este de setembro, com bons acúmulos em uma área expressiva acima dos 1.500m em alguns municípios da serra catarinense. 
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Que tal um tópico sobre a onda de frio de 1 de novembro de 2022, que trouxe a primeiro registro de neve em novembro em território brasileiro, já com os primeiros enfeites e primeiras árvores de Natal, agora apenas 4 meses do ano não têm registro de neve no Brasil, são dezembro, janeiro, fevereiro e março, os meses de verão, geada todos os 12 têm. 

Edited by Leandro A M Leite
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Obrigado Renan! Acho que vou acatar a sugestão sua e do Leandro, pois o episódio de novembro é outro evento histórico que merece ficar catalogado de forma organizada para consultas futuras. E somente o fórum do BAZ permite essas pesquisas com todo o arquivo criado ao longo dos anos.

 

 

Em tempo: a neve de maio foi mais forte e duradoura, caiu em formas de pancada ao longo do dia, as vezes misturada ou intercalada a chuva, passando para neve forte com a chegada da noite. Quando do final da noite, camadas fantásticas de neve se acumularam nessa mesma região do Cruzeiro. Mas infelizmente houve a entrada de ar mais quente, passando a neve para chuva, e que veio a derreter toda a grossa camada que ficou até por volta da 1h00 da madrugada.

 

Vou verificar se encontro algumas imagens minhas e de colegas desse evento e posto aqui.

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Quanto à neve ocorrida na primeira madrugada da primavera astronômica, se deu num evento de frio que não chegou ao Mato Grosso, diferente do dia 1 de novembro, que trouxe a neve mais próxima do Natal já registrada no Brasil, faltando menos de dois meses, e uma tarde surrealmente fria em Primavera do Leste e Campo Verde. 

Edited by Leandro A M Leite
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Não dá pra ter certeza se a neve de 1 de novembro de 2022 foi a mais próxima do Natal já ocorrida no Brasil, pois em um vídeo o Coutinho fala que houve relato de neve, acho que no Cruzeiro, em São Joaquim, em novembro de 1999, lá pro dia 10, mas não há nenhum registro confirmado. 

Edited by Leandro A M Leite
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Em 01/03/2023 em 10:40, Leandro A M Leite disse:

Não dá pra ter certeza se a neve de 1 de novembro de 2022 foi a mais próxima do Natal já ocorrida no Brasil, pois em um vídeo o Coutinho fala que houve relato de neve, acho que no Cruzeiro, em São Joaquim em novembro de 1999, lá pro dia 10, mas não há nenhum registro confirmado. 

 

Com registros essa foi a mais tardia da história. Apesar dos relatos e sem nenhuma imagem desses outros eventos, fico com o que está devidamente registrado.

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Excelente análise. Em ocorrência de neve no sul do Brasil, o Caio deve ser o melhor... Não creio que outra pessoa tenho um histórico tão grande de rodadas dos modelos...

 

Só gostaria de acrescentar, caso alguém não saiba ou não lembre, que também nevou em Urupema (Morro das Torres) e Urubici nesta ocasião.

 

 

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As duas últimas fotos são de Urubici. A quantidade de neve dos três municípios é muito parecida.

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Em 01/03/2023 em 15:32, Moretão disse:

Excelente análise. Em ocorrência de neve no sul do Brasil, o Caio deve ser o melhor... Não creio que outra pessoa tenho um histórico tão grande de rodadas dos modelos...

 

Só gostaria de acrescentar, caso alguém não saiba ou não lembre, que também nevou em Urupema (Morro das Torres) e Urubici nesta ocasião.

 

As duas últimas fotos são de Urubici. A quantidade de neve dos três municípios é muito parecida.

 

Grato pela honrosa menção!

Realmente esse evento trouxe neve com acumulação para uma grande região acima dos 1.500m no planalto sul catarinense. Por isso fiz questão de ressaltar o desempenho dos modelos em relação a projeção de neve acumulada.

Praticamente todos erraram a projeção do fenômeno com exceção do CMC. O mesmo ocorrendo nas previsões de neve frustradas de agosto.

 

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Acima de 1.600 metros deve ter nevado nos 4 municípios. Até mesmo em áreas de difícil acesso do ParnaSJ, em Bom Jardim da Serra deve ter caído alguma coisa.

 

Achei que não iria nevar, por causa do ECMWF e do GFS não colocarem nada no campo de neve. Mas eu lembro que cheguei em casa e vi que a advecção estava muito forte para uma condição de tempo nublado. Parecia uma queda de tempo limpo.

 

Ainda "havia esperança."

 

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Postei esta mensagem uma meia/uma hora antes de começaram os primeiros vídeos de neve no Twitter.

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